Gestores das Ifes devem se comprometer com acesso e confiabilidade de arquivos, diz pesquisador da Universidade de Santa Maria

Fotos: Foca Lisboa/UFMG
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Gestores das Ifes devem se comprometer com acesso e confiabilidade de arquivos, diz pesquisador da Universidade de Santa Maria

sexta-feira, 28 de novembro de 2014, às 8h54


Já vai longe a época em que o papel era o único suporte para a produção de documentos institucionais, mas a gestão arquivística dos acervos digitais ainda representa um desafio a ser enfrentado.
“O arquivo digital trouxe uma complexidade que precisa ser considerada”, alerta o professor Daniel Flores, do Departamento de Documentação da Universidade Federal de Santa Maria (RS), naconferência de abertura do 2º Fórum Regional de Arquivistas das Instituições Federais de Ensino Superior (Arquifes) da Região Sudeste, que termina nesta sexta-feira, 28, na Escola de Ciência da Informação.

Nesta entrevista ao Portal UFMG, Flores fala sobre as especificidades dos acervos em época de transição do papel pra outros suportes, e avalia a capacidade das Ifes de atender à Lei de Acesso à Informação, que desde 2011 regulamenta o direito constitucional de obtenção de informações públicas.

A transparência é um dos novos desafios para a arquivística?
Sim, principalmente porque o cidadão está começando a pedir informações e, além de dar a resposta, é preciso cuidar para que esse documento seja autêntico. Imagina se nesses documentos digitais se perde a garantia de autenticidade. Já pensou, perder, por exemplo, a garantia de posse de uma casa? Ou a possibilidade de provar que efetivamente um aluno tirou uma nota dez em uma disciplina? Existem especificidades, uma preocupação para manter essa cadeia de custódia. E aí entram conceitos e requisitos de autenticidade, necessários para manter a validade desses documentos, de modo que não possam ser adulterados, falsificados ou apagados.

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As Ifes estão preparadas para atender a essas novas exigências?
O movimento está muito lento. Algumas estão muito à frente, outras nem começaram a se mobilizar. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é um dos modelos no país: possui sistema de gestão, repositório, está muito à frente. A própria UFSM não contempla tudo ainda, mas está envolvida no processo, e há outras que sequer iniciaram esse processo. Mas é preciso resolver isso rapidamente, não só por exigência legal, mas também por uma preocupação com o cidadão, com o patrimônio documental e com própria vida funcional da instituição. Sem esses cuidados, um servidor pode perder seu assentamento funcional digital, podem ser perdidos dossiês, diários de classe, registros de frequência, mesmo os que estão em papel, porque às vezes estão desorganizados e não podem ser recuperados, já que não recebem o tratamento adequado. É preciso cuidar do patrimônio documental. E o documento digital trouxe uma complexidade que deve ser considerada.

Há ferramentas que facilitam esse trabalho...
Sim, inúmeras. Dei, aqui na UFMG, uma oficina sobre o ICA-AtoM, software livre desenvolvido pelo Conselho Internacional de Arquivos, para fazer a difusão de arquivos – documentos, cartas, memorandos, fotografias, vídeos. Esse software atende completamente à lei brasileira e pode ser usado por qualquer cidadão e qualquer instituição. Uma das vantagens é que ele não faz uma difusão passiva, a partir de um pedido. É a difusão ativa, pois as informações acessíveis. O cidadão chega ao ambiente dessas plataformas e vê as informações. Um bom exemplo é o arquivo municipal de Santa Maria (RS), cujo acervo digital foi todo digitalizado e está online, incluindo 82 mil fotografias em alta resolução.

Mas há ainda muita documentação em papel?
Hoje vivemos num momento híbrido: ainda há muita produção em papel e existe muito papel que não vai poder ser eliminado porque é fonte de prova. Se reproduzido no meio digital, torna-se apenas cópia, pois o original sempre vai ser aquele em papel, e tem de ser mantido. Já o documento que está sendo produzido no ambiente digital é autêntico no formato digital, não precisa do analógico, ao contrário, uma impressão dele não tem valor. No meio digital surge uma nova preocupação: é preciso considerar conceitos que garantem a autenticidade e a manutenção dessa cadeia. Para que se possa acreditar em um sistema digital, ele tem que ser confiável.

Com as mudanças de formato, o suporte digital não oferece riscos?
Permanentemente. O suporte, o formato, o padrão têm obsolescência quase que programada. É para isso que existem os repositórios arquivísticos digitais, que contemplam essa complexidade. Sabe-se que o formato produzido hoje vai falir, porque essa é uma característica do documento arquivístico digital.

Como lidar com essa característica?
É preciso implantar requisitos, fazer migração, conversão, toda uma metodologia e uma sistemática, cujos conceitos estão criados. E já existem softwares livres para isso, que as Ifes podem adotar. O ICA-AtoM é um dos muitos disponíveis. Ao mesmo tempo, existem empresas privadas que fazem esse trabalho. O importante é que contemplem os requisitos, que garantam a autenticidade e a confiabilidade desses documentos.


Quais são os principais desafios na implantação de programas de gestão de documentos nas Ifes?
Os gestores têm que se comprometer não apenas a oferecer o acesso à informação como define a lei, mas também a manter a autenticidade e a confiabilidade dos documentos. Com esse comprometimento tudo se resolve, pois existem metodologias para isso. É dever das instituições cuidar desses documentos, sobretudo aqueles que são fontes de prova, têm valor jurídico. Cada documento é um registro, uma informação registrada num suporte. Estamos muito acostumados com o papel – uma carta, uma autorização, uma portaria, com carimbo e uma assinatura. No meio digital, a forma continua, temos o mesmo documento arquivístico digital, com as mesmas chancelas que conferem a autenticidade dele.

O senhor se refere aos documentos produzidos na rotina de uma instituição?
Exatamente, tanto nas suas atividades-meio quanto nas atividades finalísticas. Pode ser, por exemplo, a ficha funcional de um servidor, o histórico de um aluno, pode ser uma evidência de que uma pessoa trabalhou na universidade, e ela pode cobrar esse documento para uma aposentadoria 20 anos depois. Isso é um documento fonte de prova. A Lei de Acesso à Informação (nº 12.527, de 2011) garante ao cidadão o acesso a essas informações registradas em documentos arquivísticos.

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O que muda a partir dessa lei?
Até a promulgação dessa lei, o acesso só era dado quando o documento se tornava permanente. Nas fases corrente e intermediária, não se dava acesso a um cidadão que quisesse, por exemplo, saber quanto um coordenador de curso gastou em uma viagem de visita técnica. Antes esse dado ficava só para a gestão. Hoje, qualquer cidadão pode pedir esse tipo de informação e tem de receber a resposta em até 20 dias. Antigamente esse documento só era mostrado 20 ou 30 anos depois. O acesso só não é dado se ele fere a privacidade de alguém, mas nesse caso não fere, porque o salário é dinheiro público. Se antes o arquivo em papel poderia ser produzido e atirado em um depósito, que estava seguro, pela estabilidade do suporte, o digital não tem essa segurança de suporte, e a intervenção tem de ocorrer na gênese do documento. Ou seja, se ele não for bem produzido, perde a autenticidade. Daí a necessidade de pessoal especializado. Não se trata apenas de informação, o documento é fonte de prova. O artigo 25, da lei 8.159, diz que configura irregularidade adulterar, falsificar ou botar fora um documento público.

As Ifes têm pessoal técnico para lidar com isso?
Quase todas precisam de mais concursos para arquivistas, técnicos de arquivos, auxiliares. Isso também ter a ver com a preparação do profissional, porque há referenciais que profissionais formados há alguns anos provavelmente não receberam. Para isso, temos a formação continuada, eventos oficinas, cursos.
(Ana Rita Araújo)

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