Professor Daniel Flores fala de sua trajetória na Arquivologia (Fonte: http://arquivistasdosul.blogspot.com.br/2016/03/professor-daniel-flores-fala-de-sua.html)




Arquivistas do Sul (AS): Porque escolheu a arquivologia e demais cursos que fez? Como foi o processo de escolha - já tinha informações sobre a arquivologia? Mudou muito de opinião ao longo do tempo?

Escolhi a Arquivologia pelas suas potencialidades e pelas suas diversas facetas. Mas antes mesmo de argumentar da escolha, deveria contextualizar a minha vinda à Arquivologia, já que quando ainda era bolsista da UFSM, vinculado à dois Cursos de Graduação que cursava simultaneamente, Física e Matemática, com uma bolsa para desenvolvimento de sistemas de informação para a UFSM, eu programava soluções para a Pró-Reitoria de Administração, para o DEMAPA - Departamento de Material e Patrimônio, para a Prefeitura da Universidade e outras unidades. Em todos os Sistemas que desenvolvia, sempre tive cuidado especial para a preservação, para o registro, para a documentação do mesmo, trabalhando com algumas ideias ainda embrionárias em programação, de Software Livre, de Documentos Eletrônicos e Preservação. Assim, foi nestas atividades que conheci o Prof. Carlos Alessio Rossato, grande amigo, que me apresentou à Arquivologia, com a sua visão promissora, positiva e empreendedora, cheia de oportunidades, com inúmeros desafios em relação à área que eu trabalhava, e isso despertou em mim um rol de questionamentos e em que a Arquivologia poderia me auxiliar. Imediatamente larguei os cursos que eu fazia e fui prestar vestibular para Arquivologia, e dai passei a conhecer um mundo fantástico de oportunidades e de pessoas muito dedicadas à área. As oportunidades da Arquivologia parece que só se expandem, cada vez temos mais frentes sendo abertas e agora com o advento dos RDC-Arq e dos SIGAD, não só o exercício profissional nem só a formação, mas principalmente a pesquisa tem tido inúmeras conquistas e avanços. Mas esse é o encanto da Arquivologia, suas múltiplas facetas, já que mesmo que eu fale com muita euforia da minha especialidade que são os Documentos Digitais, a Arquivologia não para de crescer nas suas pesquisas sobre iconográficos, audiovisuais, sonoros, restauração, difusão, acesso, avaliação, paleografia, diplomática, direito ao esquecimento, análises forenses e mais um rol de novas frentes que se consolidam e se abrem a cada dia. 



AS: Como foi o processo de estudo e formação?

Tive muito bons professores e apaixonados pela área, professores que nos instigavam, que suscitavam a pesquisa, com leituras, exemplos, cases, prática, domínio da área e uma visão que ia muito além das salas de aula e nos questionavam sobre a ética do Arquivista, a nossa função social, o nosso dever como cidadãos antes mesmo do profissional Arquivista,  para dai sim sermos Arquivistas competentes, éticos, altamente capacitados e atuantes na sociedade, podendo destacar a dedicação e conhecimento do Prof. Jorge Vivar com seu estudo e conhecimento em Descrição Arquivística e Acesso, o Prof. Carlos Rossato com suas aulas de Difusão, Marketing sua abordagem política, o Prof. Joel Abílio e sua visão da História, crítica à passividade do Arquivista no acesso, na avaliação e naquele momento, anterior a Lei de Acesso e suas mudanças na Arquivologia, a Profa. Ana Berwanger grande especialista em Paleografia e Diplomática, o Prof. Carlos Blaya e seu conhecimento sobre Fotografia e Difusão, que fizeram toda a diferença na minha formação. E as carências que tive, que foram além destes professores maravilhosos da academia, fui atrás para tentar suprir, muito embora a Universidade Pública deveria tê-lo feito. Hoje são colegas tanto na UFSM ou em outros Cursos como a UFRGS ou já aposentados, mas as suas dedicações ao ensino da Arquivologia contribuíram muito. Todavia confesso que ademais destas contribuições, tive sim muitas barreiras, já que quando entrei no Curso a abordagem dos Documentos Eletrônicos ou Digitais era muito precária, e assim, foi inevitável o conflito e o despertar do desconforto com o novo na Arquivologia, a mudança da zona de conforto para alguns, a necessidade de mudança e de mais leituras, de mais estudos e muito mais dedicação às novas temáticas de investigação. Lembro que fiz o Curso de uma maneira muito intensa, e concluindo-o em menos de 3 anos, em exatos 2 anos e 11 meses, e para tal tive de tramitar solicitações para autorizar minha colação de grau e ir imediatamente à São Paulo para cursar a Especialização em Organização de Arquivos da USP. Na época, existia uma carência de pós-graduações na área, e lá, foi todo um enfrentamento, pois o curso tinha o perfil de tentar formar um Arquivista, quando que deveria especializar, ou seja, focar numa especialidade da Arquivologia, e somente dois alunos, eu e o meu colega Emiliano Medeiros também da UFSM, eram bacharéis em Arquivologia. Muitas questões foram suscitadas ali, e talvez tenham tido algum impacto. Imediatamente retornado da USP fiz concurso para Docente da UFSM e ainda tive a oportunidade de ser Professor da minha própria turma, com os meus colegas formandos da turma de 1998. Foi um imenso prazer, inclusive na Colação de Grau que eu tinha o sonho de poder colar Grau com eles, e não pude por já estar Professor, mas recebi uma grande homenagem naquele dia. Depois foi um longo caminho, veio o Mestrado em Engenharia da Produção da UFSM, na linha de Tecnologia da Informação, depois o Doutorado em Salamanca com auxílio da CAPES, com muita influência positiva da ida do Prof. e colega Carlos Blaya, e o estágio de pós-doutorado também na Espanha com financiamento da Fundação Carolina. Enfim, a formação não acabou ainda, sinto-me permanentemente em formação, seja com os meus alunos, ou através do Grupo de Pesquisa CNPq que nos faz estudar muito, assim como na Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do CONARQ, a CTDE, onde sou membro, e que nos faz investigar demais, questionar, orientar, analisar e propor políticas nacionais para os Documentos Digitais no Brasil. 



AS: Como foi a inserção no mercado de trabalho? O que você acha que na sua formação auxiliou na inserção?

Minha inserção foi muito rápida e intensa no mundo dos Arquivos, lembro que antes mesmo de formado já estava atuando no mercado através de consultorias, embora ainda não como Arquivista, mas aplicando os referenciais que vinha adquirindo de Gestão Eletrônica de Documentos. E tão logo formado, fiz a especialização e imediatamente entrei na carreira docente superior em Arquivologia. Dai em diante, a minha carreira profissional vem sistematicamente reforçando sempre a minha formação em Arquivologia, em nível de Graduação, bacharelado, sólida, e me auxiliam hoje nos meus trabalhos de consultorias oriundas do Grupo CNPq UFSM, de Conferências, de Palestras, de Elaboração de Pareceres, de Relatórios Técnicos, da Investigação, da Docência, enfim, a Formação em Arquivologia foi e é fundamental e indispensável para o Profissional que sou hoje e toda a minha atuação. 

AS: Fale um pouco da sua rotina de trabalho?

Minha rotina de trabalho é muito intensa, tenho de me dividir entre as aulas da Graduação em Arquivologia com diversas disciplinas, desde Diplomática, de Bases da Gestão Eletrônica de Documentos, de Preservação Digital, de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis, orientações de Trabalhos de Conclusão de Curso, Projetos, Estágio e Iniciação Científica. Ademais da Arquivologia, também tenho disciplinas onde busco levar os referenciais da Arquivologia, como por exemplo na Informática, no Curso de Sistemas de Informação, onde busco formar um profissional atualizado às necessidades da Arquivologia em Sistemas de Informação, abordando nossos Requisitos Funcionais do e-ARQ Brasil, dos Repositórios Arquivísticos, não ensinando o fazer Arquivístico, mas sim os Requisitos Arquivísticos para que estes desenvolvam soluções mais adequadas às nossas demandas. Também já atuei no Mestrado em História, em Especializações, mas atualmente foco na Pesquisa do Mestrado em Patrimônio Cultural da UFSM onde temos excelentes pesquisas de Arquivologia sendo desenvolvidas. Ademais, atuo como Professor no Mestrado da UNIRIO, o primeiro específico de Arquivologia no país, assim como as pesquisas do Grupo CNPq UFSM Ged/A - Documentos Arquivísticos Digitais que tem uma liderança nacional de suas investigações, de proferência de Cursos de ICA-AtoM, de Archivematica, de Sistemas de Gestão como o Nuxeo, Alfresco, ArchivistaBox, Archivist ToolKit e etc. Assim, a rotina é muito intensa e diversa, pois coincide com muitas viagens, palestras, cursos, conferências, consultorias, pareceres, pesquisa, docência de graduação, de Mestrado, orientações, correções de textos, e o mais fundamental de tudo, leitura de obras clássicas e atuais, aprendizado, questionamento e enriquecimento dos nossos referenciais da Arquivologia. 



AS: O que você espera para o futuro da arquivologia?

Bem, a Arquivologia definitivamente é dinâmica, multifacetada e ampla demais, mas se vamos prospectar, com toda certeza e considerando os avanços que a mesma vem adquirindo através dos Documentos Arquivísticos Digitais, sua complexidade, especificidade e fragilidade, eu espero para o futuro da Arquivologia essa mesma transformação que a mesma vem passando e mesmo fortalecimento de seus princípios fundamentais que também vem acontecendo. Acho que uma comparação salutar é a Diplomática, que de ciência antiga, se atualizou completamente para seus novos usos, como diz a autora Duranti em sua obra: “Diplomática: novos usos para uma antiga ciência”, onde mesmo sendo a Diplomática uma ciência independente, autônoma e retroalimentada, é basilar à Arquivologia e é ao mesmo tempo uma mola propulsora para nós Arquivistas em nossas investigações e fazer Arquivístico. Neste sentido, vejo a Arquivologia cada vez mais fortalecida para dar conta da necessidade da “Autenticidade” dos nossos registros da humanidade, dos Documentos Arquivísticos, que antes, tinham uma segurança implícita nos seus suportes, e hoje, como dar segurança aos nossos cidadãos de que efetivamente podemos confiar em cadeias de bits armazenados em mídias digitais locais ou na nuvem? Somente com um ensino sólido da Arquivologia alimentado e subsidiado pela pesquisa sólida que vem sendo feita e o exercício competente e ético do Arquivista. Esta definitivamente é a Arquivologia que vejo para o futuro e para hoje e amanhã. Mas sob hipótese alguma negligenciando outros campos da mesma, ou temáticas ou os Documentos Analógicos e seus princípios que cada vez mais se fortalecem e são fundamentais, afinal, a Arquivologia é isso mesmo, multifacetada, e caminha sempre com diversas evoluções, pesquisas e temáticas simultaneamente sendo desenhadas e construídas firmemente. 

AS: Conte-nos como surgiu a ideia de montar uma Associação de Arquivistas no RS e como se deu o trabalho de elaboração desta associação. E como foi a experiência de ser o primeiro presidente da AARS.

Era a época em que contávamos com a existência da AAB ainda e com os núcleos regionais em cada Estado. Foi quando houve aquele equívoco sério da AAB que causou inúmeros desdobramentos danosos aos Arquivistas e com impactos à Arquivologia sentidos até recentemente com a sua extinção, como por exemplo a implosão dos núcleos regionais. Nós aqui no RS ficamos totalmente reféns da situação, sem representatividade local, sem associação, sem nada, já que foram extintos. O mesmo ocorreu com os outros núcleos. Mas foi aqui no RS que nos mobilizamos pela criação de uma associação exclusiva do RS, não uma regional, mas uma Associação de Arquivistas independente, que respondesse aos nossos anseios, às nossas demandas. Foi um trabalho árduo, e respondia também ao anseio da nossa comunidade de Arquivistas do RS que precisava de uma entidade, ao mesmo tempo que também seria a primeira Associação regional independente após a extinção dos núcleos da AAB, criamos a AARS - Associação dos Arquivistas do Estado do Rio Grande do Sul, coincidindo com nossa tradição, de haver tido o primeiro Curso em nível Universitário do país, aqui no RS, o Curso de Arquivologia da UFSM, criado em 10 de agosto de 1976. A nossa Associação foi criada em 20 de Janeiro de 1999 com 32 associados inicialmente e vem crescendo sistematicamente sua representatividade. Assumi o compromisso de ser o primeiro Presidente da AARS, de construir uma marca, uma identidade, de iniciar um movimento, um sentimento de pertencimento e de representação dos nossos anseios, e a mesma só se fortaleceu desde lá. A Associação vem sistematicamente conseguindo conquistas, eventos, cursos, seminários, treinamentos, com uma representação séria, com eventos de grande porte como o II Congresso Nacional de Arquivologia, em 2006, e o mais recente, o VI CNA em 2014, no ano passado, o qual foi mais um marco desta Associação que conseguiu reunir em Santa Maria um público e uma programação impecável para responder às demandas nacionais do Ensino e da Pesquisa em Arquivologia. Atualmente a AARS tem um papel impressionante com o FNArq, o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do País, assim como ao mesmo tempo não deixa de cuidar da sua relação com os associados, com os Cursos de Arquivologia do Estado, da sua representatividade, atualização em educação continuada e defesa da Arquivologia e do Arquivista. Enfim, foi gratificante demais ter sido o primeiro Presidente da AARS, mas muito mais gratificante é ver o que esta associação é hoje, sua importância para os Arquivistas e para a Arquivologia, não só do RS mas nacionalmente através da sua interlocução com as outras associações e o FNArq. 

AS: Achamos que a comunidade arquivística merece um livro com seu nome na capa. O que tem a nos dizer sobre isso?
Sim, com toda certeza, não só a Arquivística, mas eu merecia também visualizar os referenciais das nossas pesquisas todos sistematizados em uma obra, em um livro. Todavia, as dificuldades são tremendas, não só das demandas atuais tanto pessoais como do Grupo de Pesquisa CNPq, onde sistematicamente temos de viajar, palestrar fora, dar cursos, consultorias, instalações de SIGADs, uso de Repositórios, representação, docência, pesquisa e atualização de leituras sistemáticas. Mas o mais gratificante é ver que os referenciais que vamos produzindo, tanto eu mesmo pessoalmente, como da coletividade do Grupo CNPq, vão se materializando em produções dos nossos pesquisadores do Grupo ou dos Pesquisadores do Mestrado em Patrimônio Cultural da UFSM. São como filhos, que acabam realizando nossos sonhos e nos fazem tão felizes como se fôssemos nós mesmos publicando. Alguns exemplos posso citar como as nossas pesquisas sobre Diplomática Contemporânea que hoje vemos publicadas nas nossas Dissertações do Mestrado, ou como nossas considerações sobre a Identificação Tipológica dos registros sonoros, que defini após muita leitura que deveriam ser considerados como uma espécia documental, “áudio” ou “registro sonoro”, porque tem elementos de forma além das espécies e formas convencionais, e isto se concretiza hoje em trabalhos dos nossos alunos, anteriormente analisado no Grupo CNPq, e também experimentado nas aulas do Mestrado, cases de consultorias e palestras. Foi assim com os elementos de autenticidade no Archivematica, também com a implementação de metadados para a manutenção da Cadeia de Custódia Ininterrupta do SIGAD ao RDC-Arq e tem sido sistematicamente. É uma realização fantástica. Muitas sacadas, muitos resultados de pesquisa, como do próprio ICA-AtoM, do SepiaDES, do ArchivistToolKit, do Nuxeo, Records Continuum, hoje estão sendo publicados por nossos pesquisadores e nossos alunos, e com certeza não perde em nada para a realização de um livro publicado por mim, aliás, supera em muito em qualidade, o prazer talvez seja mais intenso e mais compartilhado e muito mais sinérgico com meus orientandos, alunos, mestrandos e colegas. Quem sabe no próximo ano saia uma publicação, um livro com minha autoria e com certeza compartilhado com essas pessoas, ex-orientandos, ou eternos filhos acadêmicos, que me realizam tanto e que com certeza cada um tem um pedacinho da minha formação e das minhas publicações que com certeza não são individuais.


(Daniel Flores, arquivista)




Fotos: Everton Tolves
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Professor Daniel Flores fala de sua trajetória na Arquivologia (Fonte: http://arquivistasdosul.blogspot.com.br/2016/03/professor-daniel-flores-fala-de-sua.html)

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