Fim do papel? Armazenar documentos em plataformas digitais já é uma realidade, mas ainda é preciso garantir segurança e transparência

Fim do papel? Armazenar documentos em plataformas digitais já é uma realidade, mas ainda é preciso garantir segurança e transparência Texto: Luiz Felipe Fernandes | Ilustração: Jessica Peixoto Parece o sonho de qualquer gestor público: salas e departamentos livres da papelada que abarrota pastas, arquivos e estantes. Toda a documentação em papel substituída por arquivos em formato digital, disponíveis de forma rápida e prática. Um cenário que, dada a realidade da maioria das repartições públicas brasileiras, parece distante, mas que, segundo estudiosos, já estamos vivendo. É o que eles chamam de sexto marco dos arquivos, um estágio em que não haverá mais documentos em suporte analógico. No entanto, a mesma perspectiva que dá um tom futurista a esse ambiente tecnológico, permite fazer projeções apocalípticas. Sem os recursos arquivísticos apropriados, os dados armazenados em formato digital não ficam totalmente protegidos, o que permite adulterações e apropriações indevidas, com consequências e prejuízos incalculáveis para a vida de qualquer cidadão. O professor do Curso de Arquivologia UFSM - institucional da UFSM - Universidade Federal de Santa Maria, Daniel Flores​, esclarece que simplesmente abolir o papel e inserir meios digitais de armazenamento não resolve o problema. “Estamos falando de registros de pessoas, da humanidade, e isso tem que ser seguro, tem que ser confiável. Tudo o que acreditávamos no suporte analógico temos que acreditar no ambiente digital”. O professor explica que a única maneira de garantir a segurança no armazenamento é implantar uma cadeia de custódia, composta por um sistema de gestão, um repositório e uma plataforma de acesso. “Não é simplesmente colocar senha, firewall, antivírus ou encriptar. Não é um simples banco de dados ou um storage na sala-cofre mais protegida do mundo”, alerta. Trata-se, segundo ele, da adoção de um sistema que assegure confiança e autenticidade dos objetos digitais desde o momento em que entram no repositório. Se as alternativas que usamos no dia a dia parecem longe de oferecer essa garantia, Daniel Flores dá uma boa notícia: já existem ferramentas seguras de armazenamento digital e, o melhor, disponíveis gratuitamente em software livre. Uma delas é o ICA-AtoM (Usuários do ICA-AtoM no Brasil), plataforma de acesso que permite que uma instituição disponibilize informações online de seu acervo, desenvolvida pelo Conselho Internacional de Arquivo. Outro recurso de preservação digital é o RDC-Arq Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis -...​, que armazena documentos de acordo com os padrões de preservação arquivística. Para Daniel Flores, o próximo passo é fazer com que as instituições conheçam e adotem esses sistemas. “Temos que ter uma política de formação e de conscientização muito grande”, enfatiza o professor da UFSM. Atualmente, há experiências bem-sucedidas no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, na Câmara dos Deputados, na UnB - Universidade de Brasília (UnB) e na UFSM Santa Maria. Se por um lado gestores e servidores públicos devem ter consciência de que lidam com registros e documentos importantes e que são fonte de prova, por outro o cidadão deve ter a garantia de que seus dados estão bem resguardados Legislação A preservação de documentos digitais vai além de uma demanda interna para a organização de órgãos e instituições e da necessidade de proteger dados sigilosos ou que não podem ser passíveis de alteração. Ela vai ao encontro de um arcabouço legal criado para que todo cidadão tenha acesso às informações que a administração pública, em qualquer esfera, é obrigada a fornecer. A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) assegura a gestão transparente, por meio do fornecimento de documentos íntegros e autênticos. Daniel Flores explica que a legislação institui a transparência ativa, por meio da difusão de informações, em substituição à transparência passiva, limitada a permitir o acesso a esses dados. E já que há uma obrigação legal, com previsão de penalidades em caso de descumprimento, as instituições devem estar preparadas para atender às demandas. O professor dá um exemplo: se uma pessoa solicita a um órgão público a foto de determinado evento ou a imagem do site daquela instituição de anos anteriores, a lei determina que isso seja fornecido. “Caso não seja possível, significa que a instituição não emanou uma política de preservação digital ou o que está sendo armazenado foi perdido, eliminado, talvez por equívoco, por falta de recursos ou talvez intencionalmente”. Documento autenticado x documento autêntico Como é um processo em andamento, a implantação de sistemas de preservação digital ainda convive com mitos e equívocos. Um deles é a confusão entre autenticação e documento autêntico. É comum a sensação de segurança transmitida por um documento que foi autenticado, seja pela assinatura de um funcionário ou com assinatura digital. Segundo o professor Daniel Flores, esse procedimento é uma mera declaração de autenticidade, o que não significa que o documento em si seja verdadeiro, autêntico. “Um documento autêntico nasceu e foi controlado arquivisticamente para não ter corrupções. Não é um servidor que está declarando, existe uma política arquivística em cima daquele documento, uma política de gestão e de controle que não permite que qualquer pessoa o altere quando quiser”, explica. Um sistema confiável é capaz de registrar qualquer adulteração, evitando a fraude. Nesse sentido, uma assinatura que declare a autenticidade de um documento vira mero componente. Outro equívoco cometido em boa parte dos órgãos públicos é o tratamento dispensado ao material audiovisual. Daniel Flores esclarece que o entendimento atual é o de que fotografias e vídeos são tão fonte de prova quanto qualquer outro documento. Portanto, destruir a ata de um colegiado, por exemplo, é passível de punição da mesma forma que destruir a fotografia do registro de um evento. A lei que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados (Lei 8.159/1991) prevê, em seu artigo 25, punição para quem destruir documentos de valor permanente ou considerado como de interesse público e social. Em recente resolução, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) também estabeleceu regras para a inclusão dos documentos audiovisuais nos programas de gestão arquivística, visando sua preservação e acesso. Todo esse material precisa ser avaliado, descrito e classificado, além de estar acessível à população. Fonte: https://jornalufgonline.ufg.br/n/88168-fim-do-papel Documento em .PDF: https://issuu.com/ufgascom/docs/jornal_ufg_78___online

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