Campanha pela Criação de Arquivos Públicos Municipais em Alagoas: por que o Estado não pode mais esperar

 

Campanha pela Criação de Arquivos Públicos Municipais em Alagoas: por que o Estado não pode mais esperar

A ausência de Arquivos Públicos Municipais é um dos maiores gargalos estruturais da gestão pública brasileira — e Alagoas reflete esse cenário de forma preocupante. Assim como Renato Venâncio analisou para Minas Gerais, quando olhamos para os dados do Cadastro Nacional de Entidades Custodiadoras de Acervos Arquivísticos (CODEARQ) e para as diretrizes do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), percebemos que a imensa maioria dos municípios alagoanos não possui instituições arquivísticas formalmente constituídas, apesar de isso ser obrigação legal, não uma opção administrativa.

Este post é um chamado à ação, à responsabilidade pública e ao compromisso com a história, a memória, a transparência e a governança documental no Estado de Alagoas.


1. O que diz a lei – e por que é obrigatório criar arquivos municipais

A Constituição Federal é explícita:

  • Art. 216, §2º: cabe ao Poder Público gerir a documentação governamental e garantir o acesso.

  • Art. 30, IX: compete aos municípios proteger o patrimônio histórico-cultural local.

A Lei nº 8.159/1991 reforça:

  • Art. 17: toda documentação pública deve ser administrada por instituições arquivísticas federais, estaduais e municipais.

  • §4º: arquivos municipais são o arquivo do Executivo e o arquivo do Legislativo.

E mais:

A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) exige gestão documental estruturada.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige segurança da informação e arquivamento confiável.
As Resoluções nº 14, 20, 43, 50 e 51 do CONARQ exigem estruturas e procedimentos de gestão documental e preservação digital.

Ou seja:

👉 Arquivo municipal não é um luxo.
É obrigação constitucional, legal, administrativa e ética.


2. O alerta do Acórdão TCU nº 2050/2022: sem arquivos não há transparência

O Tribunal de Contas da União deixou claro em 2022:

  • Portais de transparência não podem existir sem requisitos arquivísticos.

  • Órgãos públicos devem adotar sistemas baseados em critérios arquivísticos, incluindo metadados, autenticidade, cadeia de custódia e preservação.

  • Recomenda explicitamente o uso de plataformas como o AtoM e sistemas alinhados ao e-ARQ Brasil (Resolução 50/2022).

Para os municípios de Alagoas, isso significa:

Sem Arquivo Municipal → Sem gestão documental → Sem transparência ativa → Sem conformidade com o TCU.

A responsabilidade administrativa e a segurança jurídica dos gestores ficam diretamente ameaçadas.


3. O que existe hoje em Alagoas? O retrato do CODEARQ

Enquanto Minas Gerais tem inúmeros arquivos municipais entre suas cidades, Alagoas apresenta um cenário ainda mais desafiador.

Consultando o CODEARQ e os registros de entidades custodiadoras, verifica-se que pouquíssimos municípios alagoanos possuem Arquivo Público Municipal formalmente registrado.

O número é tão reduzido que revela um vazio institucional profundo, refletindo décadas de ausência de políticas arquivísticas municipais.

👉 Isso significa que documentos públicos essenciais — contábeis, administrativos, legislativos, urbanísticos, educacionais e históricos — estão dispersos, sem custódia profissional, sem cadeia de custódia e sem preservação adequada.


4. Por que isso é grave?

📌 Perda de memória e identidade local

Sem arquivos, documentos das câmaras antigas, prefeituras, escolas e secretarias se perdem.

📌 Prejuízo à transparência

Documentos não localizados impossibilitam atendimento a pedidos da LAI.

📌 Insegurança jurídica

A ausência de cadeia de custódia documental compromete comprovação de direitos de cidadãos e servidores.

📌 Risco para a preservação digital

Documentos nato-digitais sem RDC-Arq (Resolução 51/2022) correm risco de desaparecimento permanente.

📌 Falta de eficiência administrativa

Sem gestão documental, as prefeituras gastam mais, trabalham mais e cometem mais erros.


5. Há caminhos prontos — e baratos — para os municípios

O Arquivo Nacional e o CONARQ oferecem documentos essenciais:

  • Guia para criação de arquivos públicos municipais

  • Modelos de planos de classificação e tabelas de temporalidade

  • Modelos de minuta de lei de criação de arquivo municipal

  • Recomendações de descrição, arranjo e preservação

  • Guia para digitalização e preservação digital

Os pesquisadores do campo da Arquivologia produziram excelentes materiais sobre a Gestão de Documentos nos Municípios, assim como  planos de classificação e tabelas de temporalidade municipais, amplamente citados e discutidos.

Ou seja:

👉 Os municípios não precisam começar do zero.
Os instrumentos já existem.
Falta vontade política.


6. Alagoas precisa de uma campanha própria – e urgente

Inspirado nas campanhas de Minas Gerais (2009 e 2014) e nas análises de Venâncio

Campanha_pela_criacao_de_arquiv…, é hora de Alagoas ter sua própria mobilização:

Campanha Alagoana pela Criação dos Arquivos Públicos Municipais

Com três metas imediatas:

1. Criar Arquivos Municipais em uma escala evolutiva até 2030

Com estrutura mínima, profissional arquivista e base legal.

2. Implantar gestão documental em todos os órgãos municipais

Aplicando PCD e TTD baseados nos autores do campo da Arquivologia.

3. Adotar plataformas arquivísticas para Transparência Ativa

Como o AtoM — cumprindo o Acórdão TCU 2050/2022.


7. Quem ganha com isso?

✔ O cidadão

Direitos garantidos, acesso à informação, memória preservada.

✔ O gestor

Mais eficiência, menos risco jurídico e melhores processos.

✔ A administração pública

Cumprimento da legislação, redução de custos e maior transparência.

✔ A história de Alagoas

Documentos preservados, memória fortalecida, identidades locais reforçadas.


8. Conclusão: sem arquivos municipais, Alagoas continuará carente e periférico na história documental do país

Não se trata de uma pauta técnica restrita aos arquivistas.
É uma pauta cívica, democrática, histórica, social e política.

A criação dos Arquivos Públicos Municipais em Alagoas não pode mais ser adiada.
O Estado já perdeu documentação demais. Cidades já ficaram invisíveis demais.
O passado, o presente e o futuro do povo alagoano dependem disso.

Arquivos municipais são dever do poder público.
E são direito de todos nós.


Prof. Daniel Flores

Grupo CNPq UFAL Preservação Digital Sistêmica - PDS


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