A Terminologia Arquivística entre o Código e o Plano de Classificação de Documentos: Uma Discussão Conceitual à Luz da Teoria Arquivística Contemporânea

 

A Terminologia Arquivística entre o Código e o Plano de Classificação de Documentos: Uma Discussão Conceitual à Luz da Teoria Arquivística Contemporânea

Discussões dos Pesquisadores: Grupo de Pesquisa CNPq/UFAL – Preservação Digital Sistêmica (PDS)
Instituição: Universidade Federal de Alagoas – UFAL


1. Introdução

A terminologia arquivística possui papel estruturante na prática e na teoria da Arquivologia. A precisão conceitual é indispensável para garantir a interoperabilidade entre sistemas, a coerência entre políticas arquivísticas e a efetividade da gestão documental em todas as esferas da administração pública e privada. Um dos pontos de tensão mais recorrentes nas últimas décadas refere-se à dualidade terminológica entre “Plano de Classificação de Documentos” (PCD) e “Código de Classificação de Documentos” (CCD). Embora o Arquivo Nacional do Brasil e o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) adotem a expressão “Código de Classificação de Documentos”, a literatura arquivística nacional e internacional, majoritariamente, emprega o termo “Plano de Classificação de Documentos” como expressão mais adequada e abrangente.

Este artigo, resultado das discussões teóricas do Grupo de Pesquisa CNPq/UFAL “Preservação Digital Sistêmica (PDS)”, tem como objetivo discutir as implicações conceituais, práticas e normativas dessa dualidade terminológica, propondo uma reflexão crítica sobre a adoção do termo “plano” em detrimento de “código”, com base em referenciais arquivísticos consagrados e nas diretrizes de órgãos normativos internacionais.


2. Metodologia

A abordagem metodológica é qualitativa e exploratória, com base em revisão bibliográfica de autores clássicos e contemporâneos da Arquivologia, análise documental das normativas brasileiras (Leis, Decretos e Resoluções) e comparação com padrões internacionais como o DIRKS (Austrália), MoReq (Europa), ISO 15489 e literatura canadense. As discussões internas do Grupo de Pesquisa PDS também serviram de subsídio teórico e prático à problematização apresentada.


3. Discussão: código ou plano? Uma análise conceitual e normativa

3.1 A função do plano de classificação na gestão arquivística

Na literatura arquivística, o plano de classificação é definido como um instrumento que organiza os documentos de arquivo segundo as funções e atividades da instituição produtora, servindo de base para a produção, tramitação, avaliação, destinação e preservação desses documentos. Segundo Schellenberg (2006), a classificação funcional garante que os documentos arquivísticos reflitam os processos institucionais e não apenas seus suportes ou formas.

Daniel Flores (2014) destaca que o plano é a espinha dorsal do sistema de gestão documental, por ser a estrutura que assegura a organicidade, a continuidade e a memória institucional. Da mesma forma, o autor (2015) afirma que o plano de classificação constitui um modelo sistêmico funcional-diplomático que viabiliza a cadeia de custódia digital arquivística (CCDA).

3.2 A fragilidade conceitual do termo "código"

O uso do termo “código” nos instrumentos do Arquivo Nacional, como o “Código de Classificação de Documentos relativos às atividades-meio da Administração Pública” (2009), reduz a complexidade do plano a uma lista codificada, comprometendo sua dimensão funcional e sistêmica. A expressão “código” remete à codificação meramente numérica, negligenciando a necessidade de representar funções e subfunções, atividades e processos, como prescreve a ISO 15489 (2016).

Além disso, a adoção do termo “código” contraria a tradição arquivística latino-americana e europeia, que emprega expressões como “plano de clasificación” (Espanha, Chile), “classification plan” (Canadá, Reino Unido), “plan de classement” (França) e “business classification scheme” (Austrália). Em todos esses contextos, destaca-se a lógica funcional da classificação.

3.3 Normas e padrões internacionais

A ISO 15489-1:2016 e a ISO 16175 reforçam o uso da expressão “plano de classificação” (classification scheme) como parte do sistema de gestão de documentos. A norma australiana AS 4390, precursora da ISO, já adotava o termo business classification scheme, que enfatiza a estrutura das funções de negócio (business functions) das instituições. O modelo DIRKS australiano, bem como o modelo MOREQ europeu, consolidam esse entendimento.

No Brasil, entretanto, a manutenção do termo “código”, inclusive nas tabelas de temporalidade, pode ser atribuída a uma tradição burocrática que privilegia instrumentos de controle em detrimento da análise funcional. Isso compromete inclusive a estruturação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq), conforme define a Resolução nº 51/2020 do CONARQ, que exige o uso de metadados funcionais e interoperáveis.

3.4 Propostas do Grupo de Pesquisa PDS

Com base na análise acima, o Grupo de Pesquisa “Preservação Digital Sistêmica” propõe:

  • A substituição terminológica gradual de “código” por “plano”, especialmente em documentos técnicos e acadêmicos;

  • A adoção da expressão “Plano de Classificação de Documentos Arquivísticos” (PCDA) como padrão conceitual e técnico, alinhada às diretrizes da ISO e à literatura internacional;

  • A revisão dos instrumentos normativos brasileiros para compatibilização com os referenciais arquivísticos internacionais e com a preservação digital sistêmica.


4. Conclusão

A escolha terminológica entre “código” e “plano” de classificação de documentos transcende uma mera questão semântica. Trata-se de uma disputa conceitual que implica diferentes modos de compreender a gestão documental: de um lado, a lógica funcional e sistêmica do plano de classificação; de outro, a abordagem reducionista e codificadora dos chamados “códigos”. A literatura arquivística, os padrões internacionais e a prática dos países líderes em gestão documental apontam inequivocamente para a adoção do termo “plano de classificação”. Assim, é necessário que o Brasil promova a harmonização terminológica e conceitual, especialmente diante dos desafios da transformação digital e da cadeia de custódia arquivística. O Grupo de Pesquisa PDS reitera a importância da precisão terminológica como requisito fundamental para a eficácia da gestão documental e da preservação digital.


Referências

CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS (CONARQ). Resolução nº 51/2023. Dispõe sobre requisitos para a implantação de repositórios arquivísticos digitais confiáveis (RDC-Arq). Brasília: CONARQ, 2023.

FLORES, Daniel. Preservação digital sistêmica: por um modelo funcional-diplomático de classificação arquivística. Santa Maria: Curso de Arquivologia, 2015.

FLORES, Daniel Classificação arquivística: das funções aos documentos. 2012-14. Santa Maria - RS: Departamento de Documentação.

INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). ISO 15489-1:2016 – Information and documentation – Records management – Part 1: Concepts and principles. Genebra: ISO, 2016.

SCHELLENBERG, T. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. Brasília: UNB, 2006.

AUSTRALIAN RECORDS MANAGEMENT STANDARD. AS 4390 – Records Management. Sydney: Standards Australia, 1996.


Resumo (Português)

Este artigo discute a terminologia entre “Plano de Classificação de Documentos” e “Código de Classificação de Documentos”, apontando as implicações conceituais e normativas de cada expressão. Com base na literatura arquivística e em normas internacionais, o Grupo de Pesquisa PDS propõe o uso do termo “plano” como mais apropriado à lógica funcional da gestão documental arquivística.

Palavras-chave: Plano de Classificação de Documentos. Código de Classificação. Gestão Documental. Terminologia Arquivística. Preservação Digital Sistêmica.


Abstract (English)

This article discusses the terminology between "Records Classification Plan" and "Records Classification Code", highlighting conceptual and normative implications of each term. Based on archival literature and international standards, the PDS Research Group proposes the use of "plan" as more appropriate to the functional logic of records management.

Keywords: Records Classification Plan. Classification Code. Records Management. Archival Terminology. Digital Preservation.


Resumen (Español)

Este artículo discute la terminología entre “Plan de Clasificación de Documentos” y “Código de Clasificación de Documentos”, señalando las implicaciones conceptuales y normativas de cada expresión. Con base en la literatura archivística y en normas internacionales, el Grupo PDS propone el uso del término “plan” como el más adecuado para la lógica funcional de la gestión documental.

Palabras clave: Plan de Clasificación Documental. Código de Clasificación. Gestión Documental. Terminología Archivística. Preservación Digital.


Résumé (Français)

Cet article examine la terminologie entre « Plan de classement des documents » et « Code de classement des documents », en soulignant les implications conceptuelles et normatives de chaque terme. Sur la base de la littérature archivistique et des normes internationales, le Groupe PDS propose l’adoption du terme « plan », plus conforme à la logique fonctionnelle de la gestion des documents.

Mots-clés : Plan de classement. Code de classement. Gestion documentaire. Terminologie archivistique. Préservation numérique.


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