Software Livre como Política Pública para as Unidades de Informação (UIs)
Software Livre como Política Pública para as Unidades de Informação (UIs)
1. Introdução
As Unidades de Informação (UIs) desempenham um papel estratégico nas sociedades contemporâneas ao garantir o acesso, a organização, a preservação e a disponibilização da informação em seus diversos suportes e formatos. Arquivos, bibliotecas, centros de documentação e museus são exemplos de UIs que operam em função do interesse público, da memória social e do fortalecimento da cidadania. No cerne de suas atividades está o compromisso com a gestão da informação como bem comum — o que exige coerência entre os instrumentos de gestão utilizados e os princípios republicanos de transparência, soberania e controle social.
É nesse contexto que o Software Livre (SL) emerge como uma alternativa tecnicamente viável, eticamente justificável e politicamente estratégica. A adoção de software livre como política pública para as UIs permite alinhar as práticas informacionais com os valores democráticos, garantindo maior controle sobre os sistemas utilizados para gerir dados, registros e documentos, especialmente aqueles de caráter público.
2. O que são Unidades de Informação (UIs)?
As UIs são estruturas organizacionais responsáveis pelo tratamento, armazenamento, recuperação e disseminação da informação. Essas unidades são vitais para a circulação do conhecimento e o exercício da cidadania. Entre as principais UIs, destacam-se:
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Bibliotecas – voltadas à organização e acesso ao conhecimento registrado, sobretudo livros, periódicos, mídias digitais.
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Arquivos – responsáveis pela gestão de documentos produzidos e recebidos por entidades públicas e privadas no exercício de suas funções.
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Museus e centros de documentação – que organizam acervos históricos, culturais e científicos.
Em instituições públicas, essas unidades operam com documentos e informações de natureza pública, o que impõe a necessidade de observar princípios como legalidade, publicidade, impessoalidade, eficiência e moralidade — todos previstos no art. 37 da Constituição Federal de 1988.
3. O que são Políticas Públicas?
Segundo autores como Thomas Dye (2009), uma política pública pode ser entendida como "tudo aquilo que um governo decide fazer ou não fazer". Trata-se de um conjunto de diretrizes, ações e decisões implementadas por órgãos governamentais com vistas a resolver problemas coletivos.
Uma política pública voltada às UIs deve:
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Garantir o acesso aberto à informação pública;
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Proteger a soberania informacional do Estado;
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Assegurar a preservação de acervos documentais;
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Incentivar a transparência e o controle social.
Nesse cenário, a escolha das tecnologias e sistemas informacionais adotados pelas UIs deixa de ser uma simples questão técnica e se torna uma decisão política com profundas implicações éticas e sociais.
4. O que é Software Livre?
4.1 Conceito e princípios
Software Livre é todo programa de computador que respeita quatro liberdades essenciais para o usuário:
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Liberdade de executar o programa para qualquer propósito;
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Liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo às suas necessidades;
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Liberdade de redistribuir cópias;
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Liberdade de melhorar o programa e divulgar suas melhorias.
Esse conceito foi formalizado por Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation (FSF), por meio do Projeto GNU (1983). A partir disso, consolidou-se um movimento político-técnico-filosófico que reivindica o controle coletivo sobre os sistemas computacionais e o rompimento com a lógica proprietária que impõe dependência tecnológica e aprisionamento de dados.
4.2 Histórico e políticas públicas de SL
O uso do SL em governos começou a ganhar força nos anos 2000. No Brasil, destacam-se:
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A Política de Software Livre do Governo Federal (2003), que fomentou o uso do SL na administração pública.
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A criação do Portal do Software Público Brasileiro, hoje sob gestão do Ministério da Gestão e da Inovação.
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Iniciativas estaduais e municipais (como no Rio Grande do Sul e na cidade de Recife) que adotaram soluções livres em suas infraestruturas de informação.
Essas políticas visavam reduzir custos, ampliar a autonomia tecnológica e promover a soberania digital.
5. Por que Software Livre nas UIs?
5.1 Riscos dos softwares proprietários
Softwares proprietários são desenvolvidos por empresas que detêm os direitos autorais e restringem o acesso ao código-fonte. Isso acarreta riscos importantes para a gestão pública da informação:
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Dependência tecnológica (vendor lock-in);
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Altos custos de licenciamento;
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Impossibilidade de auditoria de código e segurança;
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Riscos à integridade e autenticidade da informação pública;
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Acesso restrito a dados sensíveis ou estratégicos.
Em contextos arquivísticos e biblioteconômicos, tais riscos comprometem a cadeia de custódia arquivística, a preservação digital e o acesso à informação, especialmente quando se trata de documentos de guarda permanente.
5.2 Vantagens do Software Livre nas UIs
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Autonomia tecnológica e soberania informacional;
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Redução de custos com licenciamento;
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Auditorias e segurança de código;
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Maior aderência aos princípios da transparência pública;
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Comunidade ativa de desenvolvedores e suporte técnico colaborativo;
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Possibilidade de personalização para contextos arquivísticos, biblioteconômicos e museológicos.
6. Exemplos de Software Livre aplicados às UIs
6.1 Arquivos e gestão documental
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AtoM – Access to Memory: sistema livre para descrição arquivística conforme ISAD(G) e outros padrões do ICA.
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Archivematica: voltado à preservação digital com base no Modelo de Referência OAIS.
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SIGAD: utilizado para ingestão no RDC-Arq com requisitos do e-ARQ Brasil.
6.2 Bibliotecas
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Koha: sistema integrado de gestão de bibliotecas (SIGB) com funcionalidades de catalogação, empréstimo, aquisição, OPAC, entre outros.
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Greenstone: software para bibliotecas digitais, ideal para pequenas instituições.
6.3 Museus e documentação científica
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CollectiveAccess e Tainacan: soluções abertas para acervos culturais e científicos.
Todos esses sistemas garantem interoperabilidade, transparência e adaptabilidade — essenciais em ambientes públicos e acadêmicos.
7. Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação: por que defender o SL?
Esses campos estão intrinsecamente ligados à mediação da informação, ao acesso ao conhecimento e à preservação da memória social. Defender o software livre nesse contexto é defender o direito à informação, à memória, à cidadania digital e à soberania tecnológica.
Ao assumir o SL como diretriz ética e política, profissionais dessas áreas:
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Atuam em conformidade com os marcos legais (CF/88, LAI, Lei de Arquivos, LGPD);
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Reduzem riscos jurídicos e técnicos sobre o tratamento da informação pública;
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Fortalecem políticas públicas baseadas em princípios democráticos e inclusivos.
8. Considerações finais
O uso de Software Livre nas Unidades de Informação não é apenas uma escolha técnica, mas um ato político em defesa do interesse público. Ao garantir liberdade, transparência, segurança e soberania, o SL alinha-se profundamente aos valores que regem as UIs, sobretudo aquelas mantidas com recursos públicos.
Incentivar políticas públicas que priorizem o SL é promover uma infraestrutura de informação mais justa, autônoma e cidadã. Bibliotecários, arquivistas, cientistas da informação e gestores públicos têm, portanto, um papel fundamental na defesa e implementação dessas tecnologias como ferramenta de transformação social.
📚 Referências
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STALLMAN, Richard. Software Livre, Sociedade Livre. São Paulo: Conrad, 2004.
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DYE, Thomas. Understanding Public Policy. Pearson, 2009.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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BRASIL. Lei nº 8.159/1991 – Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados.
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BRASIL. Lei nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação.
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FLORES, Daniel. Preservação digital e soberania tecnológica. UFF, 2021.
Grupo CNPq UFAL PDS & Ged/A.
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