ACURÁCIA TERMINOLÓGICA NA ERA DIGITAL: REFLEXÕES SOBRE A DICOTOMIA "ANALÓGICO" VERSUS "NÃO DIGITAL" EM DOCUMENTOS E INFORMAÇÃO (Resultado da Reunião de Pesquisa do Grupo CNPq 1º Semestre/2025)
ACURÁCIA TERMINOLÓGICA NA ERA DIGITAL: REFLEXÕES SOBRE A DICOTOMIA "ANALÓGICO" VERSUS "NÃO DIGITAL" EM DOCUMENTOS E INFORMAÇÃO (Resultado da Reunião de Pesquisa do Grupo CNPq 1º Semestre/2025)
Título do Artigo: "Acurácia Terminológica na Era Digital: Análise Crítica dos Termos "Analógico" versus "Não Digital"".
Pesquisadores do Grupo de Pesquisa CNPq UFAL - Preservação Digital Sistêmica (PDS)
Universidade Federal de Alagoas
Resumo
Este artigo discute a precisão terminológica entre os termos "analógico" e "não digital" no contexto da Arquivologia e da Ciência da Informação. A partir de uma revisão normativa, bibliográfica e epistemológica, argumenta-se que o termo "analógico" possui maior densidade conceitual e operativa, ao passo que "não digital" é uma negação pouco informativa. São analisadas implicações técnicas, normativas e filosóficas, visando fundamentar a escolha por uma nomenclatura mais precisa, especialmente nas práticas de gestão e preservação documental. Além disso, apresenta-se uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o impacto da terminologia na teoria e na prática arquivística.
Palavras-chave: Terminologia; Documento; Analógico; Digital; Arquivologia.
1. Introdução
A discussão terminológica na Arquivologia tem se intensificado à medida que os ambientes digitais reconfiguram as práticas de produção, gestão e preservação documental. Nesse contexto, o Grupo de Pesquisa CNPq UFAL PDS (Preservação Digital Sistêmica), em seus seminários semestrais, tem desenvolvido reflexões sobre a acurácia conceitual da terminologia adotada em documentos arquivísticos. Este artigo é resultado consolidado da etapa de pesquisa do segundo semestre de 2025, com foco específico na dicotomia "analógico" versus "não digital".
A oposição conceitual entre "analógico" e "não digital" não é meramente linguística: trata-se de uma distinção com implicações técnicas, filosóficas e normativas. Em um momento em que a produção documental é massivamente digital, é crucial compreender e nomear adequadamente os documentos que não pertencem a esse universo. Como observa Avila Araújo (2012), a escolha terminológica impacta diretamente na forma como os documentos são classificados, tratados e preservados.
2. Fundamentos Teóricos e Epistemológicos
O termo "analógico" tem origem no grego "analogos" e remete à correspondência proporcional e à continuidade, sendo amplamente aceito na engenharia, nas ciências cognitivas e nas teorias da comunicação (Cunha, 1982; Stallings, 2017). Sua aplicação ao campo arquivístico está associada à materialidade do suporte, aos modos de representação não discretos e à necessidade de processos específicos de conservação.
De acordo com Manovich (2001), a diferença entre analógico e digital não é apenas de forma de armazenamento, mas de lógica cultural e informacional. O analógico é caracterizado pela continuidade do sinal e pela impossibilidade de representação perfeita no digital sem perda de informação. Essa propriedade deve ser considerada nas estratégias arquivísticas.
A construção "não digital", por sua vez, é um exemplo de negação linguística que não define positivamente o conceito ao qual se refere (Sager, 1990; Cabré, 1999). Como observa Eco (1984), a linguagem negativa tende a reduzir a complexidade do referente a uma ausência, o que dificulta sua análise e categorizacão científica.
3. Análise Normativa: Documentos Digitais e a Invisibilidade do Analógico
As Resoluções do CONARQ nº 39/2014, 43/2015 e 51/2023 tratam de diretrizes para a digitalização e gestão de documentos digitais. Nenhuma dessas normas menciona explicitamente o termo "analógico", mas utilizam expressões como "documento não digital" ou fazem referência indireta a documentos em papel ou físicos. Essa ausência revela uma lacuna terminológica importante. O uso de "não digital" é uma convenção pragmática, mas empobrecedora, pois não reconhece as propriedades intrínsecas dos documentos produzidos em meios físicos.
Jardim (2021) aponta que o risco da "naturalização do digital" pode levar à invisibilização de outras formas de produção documental. Isso tem consequências práticas, como a falta de instrumentos normativos específicos para documentos analógicos em processos mistos de gestão.
4. Implicações Conceituais e Profissionais
A nomenclatura "não digital" tende a invisibilizar as características ontológicas dos documentos analógicos. Como argumenta Bowker e Star (1999), as classificações tênues e mal definidas afetam diretamente a gestão da informação. No campo arquivístico, esse tipo de imprecisão impacta desde os planos de digitalização até a criação de metadados, comprometendo também a cadeia de custódia e a autenticidade dos registros.
Autores como Hamill (2013), Flores e Gava (2022) têm demonstrado que documentos analógicos demandam não apenas técnicas específicas de conservação, mas também um reconhecimento conceitual e legal distinto. Além disso, a terminologia adotada afeta diretamente a comunicação entre equipes interdisciplinares, como em projetos de digitalização, onde a compreensão do que é analógico é fundamental para garantir a fidelidade documental.
5. Considerações Finais
A adoção do termo "analógico" em substituição à expressão "não digital" representa não apenas uma precisão linguística, mas um compromisso com a acurácia conceitual no campo arquivístico. É uma escolha terminológica que repercute na construção do conhecimento, nas boas práticas de gestão documental e na elaboração de políticas públicas eficazes de preservação.
O Grupo de Pesquisa PDS reafirma a necessidade de se adotar nomenclaturas que expressem positivamente a natureza dos documentos e de seus suportes, contribuindo para o fortalecimento da ciência arquivística. A discussão sobre "analógico" versus "não digital" é, portanto, uma discussão sobre precisão, sobre inteligibilidade documental e sobre futuro da gestão arquivística.
Referências
Avila Araújo, C. A. (2012). O conceito de documento: um percurso historiográfico. Ciência da Informação, 41(1), 77-84.
Bowker, G. C., & Star, S. L. (1999). Sorting Things Out: Classification and Its Consequences. Cambridge: MIT Press.
Cabré, M. T. (1999). Terminology: Theory, Methods and Applications. Amsterdam: John Benjamins.
Cunha, A. G. (1982). Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Eco, U. (1984). Semíotica e filosofia da linguagem. São Paulo: Perspectiva.
Floridi, L. (2011). The Philosophy of Information. Oxford: Oxford University Press.
Flores, D., & Gava, T. (2022). Cadeia de custódia digital arquivística: fundamentos e aplicações. Revista Arqueiro, 8(2), 23-40.
Hamill, L. (2013). Archival Arrangement and Description: Analog to Digital. Rowman & Littlefield.
Jardim, J. M. (2021). Arquivística entre o conceitual e o funcional. Rio de Janeiro: EdUERJ.
Manovich, L. (2001). The Language of New Media. Cambridge: MIT Press.
Sager, J. C. (1990). A Practical Course in Terminology Processing. Amsterdam: John Benjamins.
Stallings, W. (2017). Data and Computer Communications (10th ed.). Boston: Pearson.
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