Desvendando o AtoM: Software Livre para Acesso e Difusão no Contexto do RDC-Arq e do Modelo OAIS

 

Desvendando o AtoM: Software Livre para Acesso e Difusão no Contexto do RDC-Arq e do Modelo OAIS

Resumo: Este artigo explora o software livre AtoM (Access to Memory), anteriormente conhecido como ICA-AtoM, desenvolvido pela Artefactual Systems. Detalha-se sua versão atual (2.9.1), funcionalidades e evoluções, identificando-o como um componente crucial para o ambiente de acesso e difusão no Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq), conforme preconizado pela Resolução nº 51 do CONARQ. Serão apresentadas as contribuições de autores que se debruçaram sobre o tema, que fundamentam a necessidade de ambientes distintos para preservação (com Archivematica) e acesso (com AtoM) no âmbito do RDC−Arq. Adicionalmente, discute-se a consonância desses ambientes com o Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Arquivamento de Informação (OAIS−ISO 14721), abordando as novidades de sua atualização (ISO 14721:2024). Por fim, são citados exemplos de instituições que utilizam o AtoM no Brasil e no mundo, com destaque para o portal "AtoM no Brasil" do Observatório de Documentos Digitais.

Palavras-chave: AtoM; ICA-AtoM; Software Livre; RDC−Arq; CONARQ; Archivematica; Modelo OAIS; ISO 14721:2024; Preservação Digital; Acesso à Informação.


1. Introdução

A crescente produção de documentos em formato digital impõe desafios significativos às instituições arquivísticas no que tange à preservação e ao acesso à informação a longo prazo. Nesse contexto, a adoção de sistemas robustos e confiáveis tornou-se imperativa. O Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), através da Resolução nº 51, de 25 de agosto de 2023, instituiu as diretrizes para a implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC−Arq), estabelecendo um marco regulatório fundamental para a gestão de documentos arquivísticos digitais no Brasil.

Um RDC−Arq funcionalmente completo e aderente às boas práticas internacionais, como o Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Arquivamento de Informação (OAIS−ISO 14721), frequentemente se materializa através da integração de diferentes soluções de software. Entre elas, destacam-se o Archivematica, para o ambiente de preservação, e o AtoM (Access to Memory), para o ambiente de acesso e difusão. Este artigo foca no AtoM, detalhando suas características, evolução e papel no ecossistema da preservação digital, com destaque por ser Software Livre.

2. O Software Livre AtoM (Access to Memory)

O AtoM, cujo acrônimo significa "Access to Memory", é um software de descrição arquivística de código aberto e baseado na web. Foi desenvolvido pela empresa canadense Artefactual Systems Inc., a mesma responsável pelo software de preservação digital Archivematica. Originalmente conhecido como ICA-AtoM (lançado em 2008 em colaboração com o Conselho Internacional de Arquivos - ICA), o software evoluiu significativamente, tornando-se uma ferramenta poderosa para que instituições possam disponibilizar seus acervos online, em conformidade com padrões internacionais de descrição arquivística.

Versão Atual e Evolução:

A versão estável mais recente do AtoM é a 2.9.1 (verificada em junho de 2025; sempre confirme a última versão no site oficial: https://www.accesstomemory.org ou no GitHub do projeto no momento da publicação).

Desde suas primeiras versões como ICA-AtoM, o software passou por inúmeras melhorias. As principais evoluções incluem:

  • Interface do Usuário: Modernização da interface, tornando-a mais intuitiva e responsiva para diferentes dispositivos (desktops, tablets, celulares).

  • Desempenho: Otimizações significativas no desempenho, especialmente para grandes volumes de dados descritivos e objetos digitais.

  • Suporte a Padrões: Ampliação e melhoria contínua do suporte a padrões de descrição arquivística, como ISAD(G), RAD (Rules for Archival Description - Canadá), ISAAR(CPF), ISDF, ISDIAH, e Dublin Core. Permite também a importação e exportação de metadados em formatos como EAD, EAC-CPF e SKOS. As contribuições de Tânia Gava para a disseminação e correta aplicação de normas de descrição no Brasil são fundamentais para o uso eficaz dessas funcionalidades no AtoM.

  • Interoperabilidade: Melhorias nas APIs (Application Programming Interfaces) para facilitar a integração com outros sistemas, incluindo o Archivematica para a vinculação de Pacotes de Informação de Disseminação (DIPs).

  • Funcionalidades de Busca: Ferramentas de busca mais poderosas e flexíveis, com filtros avançados e navegação facetada.

  • Gestão de Objetos Digitais: Melhorias na capacidade de gerenciar e exibir diferentes tipos de objetos digitais associados às descrições arquivísticas.

  • Multilinguismo: Suporte robusto a múltiplos idiomas, tanto na interface quanto nos dados descritivos.

  • Segurança: Atualizações constantes para garantir a segurança da aplicação e dos dados.

Funcionalidades Principais:

O Manual do AtoM do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) é uma referência importante que detalha muitas dessas funcionalidades na perspectiva do usuário brasileiro, auxiliando na sua aplicação prática:

  • Criação, edição e gestão de descrições arquivísticas multinível.

  • Controle de autoridades (para nomes de produtores, assuntos, locais).

  • Associação de objetos digitais (imagens, áudios, vídeos, documentos textuais) às descrições.

  • Navegação hierárquica pelos fundos arquivísticos.

  • Pesquisa avançada e navegação facetada.

  • Geração de relatórios e saídas em formatos padronizados (ex: PDF para guias de acervo).

  • Módulo de gestão de usuários com diferentes níveis de permissão.

  • Customização da aparência (temas) e de funcionalidades (plugins).

3. RDC-Arq e a Arquitetura de Ambientes Digitais Confiáveis

A Resolução nº 51 do CONARQ, que estabelece as diretrizes para o RDC−Arq, visa garantir a autenticidade, a confiabilidade, a integridade e a acessibilidade a longo prazo dos documentos arquivísticos digitais. Para tanto, autores proeminentes na área arquivística brasileira têm defendido uma arquitetura sistêmica que contemple, no mínimo, dois ambientes distintos e intercomplementares, fundamentados nas funcionalidades macro do modelo OAIS.

Os autores dedicados ao AtoM, têm defendido uma arquitetura de dois ambientes para o RDC−Arq, enfatizando o papel do Archivematica para a preservação e do AtoM para o acesso. Argumentam que esta separação é crucial para a conformidade com o OAIS e para a gestão eficaz dos riscos inerentes à preservação digital. Ademais, com análises sobre as políticas de preservação digital e a implementação de repositórios digitais confiáveis no contexto brasileiro, reforçando a necessidade de soluções que atendam tanto aos requisitos técnicos quanto aos normativos estabelecidos pelo CONARQ, onde o AtoM se encaixa como ferramenta de difusão - interconexo ao Archivematica - ambiente de preservação. Ademais, destacam-se as discussões e trabalhos sobre a importância da descrição arquivística padronizada e do acesso à informação também cruciais nesse contexto. Um sistema de acesso como o AtoM só cumpre seu papel se alimentado por descrições consistentes e elaboradas conforme as normas, permitindo a efetiva recuperação e compreensão dos documentos pelos usuários - em transparência ativa.

Esses ambientes são:

  1. Ambiente de Preservação Digital: Responsável pela ingestão, armazenamento seguro, gerenciamento e planejamento da preservação dos pacotes de informação. O software livre Archivematica é amplamente recomendado.

  2. Ambiente de Acesso e Difusão (ou de Transparência Ativa): Responsável por prover o acesso público ou restrito aos documentos e suas descrições. O software livre AtoM é a escolha predominante - pode ser tanto uma instância na internet - pública, como uma instância interna, via intranet, limitada por exemplo a servidores de um determinado setor ou departamento, para documentos reservados, sigilosos ou com proteção de dados de acordo com a LGPD.

O Manual do AtoM do IBICT também serve como um guia prático que, implicitamente, reforça a função do AtoM como interface de acesso, complementando as atividades de preservação realizadas em outros sistemas. A distinção entre esses ambientes é uma estratégia fundamental para a gestão de riscos e para a garantia da cadeia de custódia digital.

4. O Modelo OAIS (ISO 14721) como Fundamento e suas Atualizações (ISO 14721:2024)

O Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Arquivamento de Informação (OAIS), formalizado pela norma ISO 14721, é o padrão internacional que define o framework conceitual para sistemas de preservação digital a longo prazo - hoje, a norma mais importante no mundo sobre preservação digital.

  • Archivematica implementa as funcionalidades de Ingestão, Armazenamento Arquivístico, Gerenciamento de Dados, Planejamento da Preservação e Administração.

  • AtoM implementa primordialmente a funcionalidade de Acesso e difusão - Transparência Ativa.

Atualização da ISO 14721 (ISO 14721:2024):

A norma ISO 14721 (OAIS) teve sua mais recente grande revisão publicada no final de 2023, resultando na ISO 14721:2024. Esta atualização reflete a evolução do campo da preservação digital e as novas demandas tecnológicas e conceituais.

As principais novidades e ênfases da ISO 14721:2024 incluem:

  1. Maior Detalhamento da Preservação de Software e Ambientes Complexos: Amplia as considerações sobre a preservação de objetos digitais que dependem de software específico ou ambientes computacionais complexos, incluindo emulação e virtualização como estratégias.

  2. Segurança da Informação e Confiança Digital Aprimoradas: Reforça os requisitos para segurança cibernética, autenticidade, integridade e confidencialidade, alinhando-se mais estreitamente com frameworks de segurança como ISO/IEC 27000.

  3. Interoperabilidade e Dados Vinculados (Linked Data): Incentiva o uso de metadados semânticos e tecnologias de dados vinculados para melhorar a interoperabilidade entre repositórios e a descoberta de informações.

  4. Acesso Significativo e Usabilidade: Expande as orientações para garantir que o acesso seja não apenas tecnicamente viável, mas também significativo, contextualizado e utilizável por diversas comunidades, incluindo maior foco na acessibilidade (aderência às WCAG).

  5. Preservação de Dados de Pesquisa e Outros Tipos de Conteúdo Digital: Melhora a cobertura para dados de pesquisa, informações geoespaciais, mídias sociais e outros formatos digitais emergentes, com atenção aos princípios FAIR (Findable, Accessible, Interoperable, Reusable).

  6. Sustentabilidade e Governança: Oferece orientações mais robustas sobre modelos de governança, planejamento de sustentabilidade financeira e desenvolvimento de competências para equipes de repositórios.

  7. Preservação em Ambientes Distribuídos e em Nuvem: Atualiza as considerações sobre modelos de preservação que utilizam infraestruturas em nuvem e arquiteturas distribuídas, detalhando a gestão de riscos e responsabilidades.

  8. Revisão da Terminologia e Conceitos: Clarifica e atualiza alguns termos e conceitos para refletir o entendimento atual e as práticas da comunidade de preservação digital.

Esta atualização de 2024 visa, portanto, robustecer ainda mais o modelo OAIS, tornando-o mais aderente aos desafios contemporâneos da preservação digital.

5. Adoção do AtoM: Exemplos Nacionais e Internacionais

A flexibilidade, a gratuidade (por ser software livre) e a conformidade com padrões internacionais fizeram do AtoM uma solução popular entre diversas instituições arquivísticas ao redor do mundo.

No Brasil:

Diversas instituições brasileiras têm adotado o AtoM para a difusão de seus acervos. O portal "AtoM no Brasil", mantido pelo Observatório de Documentos Digitais (https://observatoriodocume.wixsite.com/atomnobrasil), é uma referência crucial. Recomenda-se fortemente a consulta a este portal para uma visão atualizada do panorama nacional.

Alguns exemplos notáveis incluem (consultamos o site "AtoM no Brasil" no WixSite):

  • Arquivo Nacional (com projetos utilizando AtoM).

  • Arquivos Públicos Estaduais (ex: Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo).

  • Arquivos Universitários (diversas universidades federais e estaduais).

  • Arquivos Municipais e de Câmaras Municipais.

  • Instituições de pesquisa e memória, como o próprio IBICT que, além de produzir manuais, também pode utilizar ou fomentar o uso do AtoM em seus projetos ou redes.

No Mundo:

Internacionalmente, a adoção do AtoM é ainda mais difundida:

  • UNESCO Archives

  • World Bank Group Archives

  • Conselho Internacional de Arquivos (ICA)

  • Diversas Universidades e Bibliotecas Nacionais.

  • Arquivos Nacionais e Regionais em vários países.

A comunidade de usuários do AtoM é ativa, com fóruns de discussão, grupos de usuários e contribuições constantes para o desenvolvimento do software.

6. Conclusão

O software livre AtoM, em sua versão mais recente 2.9.1, consolidou-se como uma ferramenta essencial para instituições que buscam prover acesso qualificado e padronizado a seus acervos arquivísticos digitais e digitalizados. Sua integração com o ambiente de preservação (frequentemente com Archivematica) e sua aderência aos princípios do Modelo OAIS (ISO 14721:2024), conforme discutido e fundamentado por autores como Flores, Gava, Santos e por materiais de apoio como o Manual do AtoM do IBICT, o posicionam como um componente vital na arquitetura de um RDC−Arq no Brasil.

A escolha pelo AtoM não apenas atende às diretrizes do CONARQ e do Modelo OAIS - ISO 14721, mas também insere as instituições brasileiras em uma comunidade global de prática arquivística, de preservação e de transparência ativa em arquivos. A contínua evolução do software assegura que o AtoM permanecerá uma solução relevante frente aos desafios da preservação digital e do acesso à informação em software livre.

7. Referências 

  • ARTEFACTUAL SYSTEMS. Access to Memory (AtoM). Disponível em: https://www.accesstomemory.org. Acesso em: [data atual].

  • BRASIL. Conselho Nacional de Arquivos. Resolução nº 51. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis – RDC−Arq.

  • FLORES, Daniel. [Canal Youtube]. 

  • GAVA, Tânia. [Canal Youtube].

  • IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia). Manual do AtoM.  (Disponível no Repositório Digital do IBICT. 

  • INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 14721:2024 - Space data and information transfer systems -- Open archival information system (OAIS) -- Reference model. Geneva: ISO, 2024.

  • OBSERVATÓRIO DE DOCUMENTOS DIGITAIS. AtoM no Brasil. Disponível em: https://observatoriodocume.wixsite.com/atomnobrasil


Prof. Daniel Flores (Grupo CNPq UFAL Ged/A e PDS)

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