Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Informação Arquivística (OAIS): Entendendo o CCSDS 650.0-M-3

 

Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Informação Arquivística (OAIS): Entendendo o CCSDS 650.0-M-3

Em dezembro de 2024, o Comitê Consultivo para Sistemas de Dados Espaciais (CCSDS) publicou a terceira edição da sua Prática Recomendada intitulada Modelo de Referência para um Sistema Aberto de Informação Arquivística (OAIS) — código CCSDS 650.0-M-3. Esta nova versão representa uma atualização significativa no modelo conceitual que tem servido como base para a preservação digital de longo prazo em diferentes setores — com destaque para os arquivos digitais científicos e institucionais.

O objetivo desta postagem é apresentar, com linguagem acessível aos cursos de Arquivologia e áreas afins, uma explanação fiel e ampliada deste modelo de referência. Atenção: esta Prática Recomendada não é ainda a versão final da norma ISO 14721:2025, mas constitui seu substrato técnico-conceitual.

O que é o OAIS?

O OAIS (Open Archival Information System) é um modelo conceitual de arquivo digital, composto por hardware, software, políticas e procedimentos, cuja função central é preservar informações e torná-las acessíveis a uma Comunidade Designada ao longo do tempo. Este sistema é operado por uma organização (ou parte dela) que assume formalmente tal responsabilidade. O termo "Aberto" (Open) refere-se ao fato de que o modelo é desenvolvido em fóruns públicos e não significa, necessariamente, que o acesso ao acervo é irrestrito.

O OAIS se distingue de outras concepções genéricas de arquivo ao possuir um conjunto definido de Responsabilidades Obrigatórias, abordadas na seção 3.2 do documento. O foco do modelo está voltado à preservação de informações digitais — embora reconheça que acervos também possam conter materiais físicos, não aprofunda a modelagem desses objetos não digitais.

Estrutura do Documento

A prática recomendada OAIS CCSDS 650.0-M-3 está dividida em seis seções principais e vários anexos informativos:

  1. Introdução – Define objetivos, escopo, aplicabilidade, justificativas e terminologia.

  2. Conceitos OAIS – Apresenta os fundamentos teóricos e conceituais do modelo.

  3. Responsabilidades OAIS – Estabelece o conjunto de funções que qualificam um arquivo como OAIS.

  4. Modelos Detalhados – Inclui os modelos funcionais e informacionais em linguagem UML.

  5. Perspectivas de Preservação – Examina estratégias de preservação como migração digital e emulação.

  6. Interoperabilidade entre Arquivos – Aponta possibilidades de colaboração entre OAIS distintos.

Aplicabilidade

O modelo pode ser aplicado a qualquer organização que tenha como missão a preservação de informações no longo prazo, sejam elas arquivos tradicionais, bibliotecas digitais, centros de dados científicos ou outras instituições. Isso inclui entidades que, mesmo sem uma vocação arquivística explícita, produzem, armazenam e precisam manter ativos digitais compreensíveis e utilizáveis com o passar do tempo.

Motivação e Racionalidade

A motivação para a existência do OAIS está no desafio crescente de preservar informações digitais, que são vulneráveis à obsolescência tecnológica, perda de contexto e alterações não autorizadas. A natureza volátil dos formatos digitais, combinada com a rápida evolução dos sistemas computacionais, impõe riscos sérios à autenticidade, integridade e inteligibilidade dos documentos arquivados.

O OAIS contribui para enfrentar esses riscos por meio de um vocabulário comum, requisitos mínimos e um quadro conceitual robusto — promovendo assim maior entendimento, padronização e um mercado mais maduro de soluções arquivísticas.

Principais Conceitos do OAIS

Comunidade Designada

Grupo de usuários finais que deve ser capaz de compreender as informações preservadas sem depender de especialistas externos. O conceito está intimamente relacionado à base de conhecimento presumida dessa comunidade, que pode evoluir ao longo do tempo.

Informação e Representação

Informação é todo conhecimento que pode ser intercambiado, e que se manifesta em dados. Para que dados façam sentido, é preciso um conjunto de informações adicionais, chamado de Informação de Representação, que possibilita a interpretação dos dados.

Pacote de Informação

Um Pacote de Informação é uma estrutura lógica composta por:

  • Informação de Conteúdo (Content Information): o objeto informacional principal a ser preservado.

  • Informação de Descrição da Preservação (PDI): conjunto de dados essenciais à autenticidade, fixidade, contexto, proveniência e controle de acesso.

  • Informação de Embalagem (Packaging Information): dados que descrevem como os componentes estão organizados.

  • Informação Descritiva: utilizada para descoberta e recuperação dos pacotes.

O modelo distingue três variantes:

  • Pacote de Informação de Submissão (SIP): fornecido pelo produtor.

  • Pacote de Informação Arquivístico (AIP): preservado pelo OAIS.

  • Pacote de Informação de Disseminação (DIP): entregue ao consumidor.

Entidades Funcionais

O OAIS organiza suas funções em seis Entidades Funcionais:

  1. Ingestão (Ingest) – Recebe os SIPs, assegura sua qualidade e os transforma em AIPs.

  2. Armazenamento Arquivístico (Archival Storage) – Guarda e recupera os AIPs.

  3. Gestão de Dados (Data Management) – Mantém os metadados e os registros administrativos.

  4. Acesso (Access) – Interage com os consumidores, processando pedidos e fornecendo DIPs.

  5. Planejamento da Preservação (Preservation Planning) – Monitora e propõe ações para assegurar a usabilidade dos objetos ao longo do tempo.

  6. Administração (Administration) – Coordena as operações do sistema, assegurando sua governança.

Perspectivas de Preservação

O modelo reconhece diversas estratégias, entre elas:

  • Migração Digital: transferência de conteúdos para novos suportes ou formatos, com responsabilidade e controle integral do OAIS.

  • Transformações: alterações nos objetos ou metadados para manter a inteligibilidade.

  • Emulação e Encapsulamento: técnicas para preservar a funcionalidade e o "look and feel" de softwares originais.

Interoperabilidade entre Arquivos

O OAIS também discute formas de cooperação entre arquivos, como:

  • Arquivos co-operantes que compartilham SIPs/DIPs comuns.

  • Arquivos federados com catálogos unificados.

  • Arquivos distribuídos que compartilham armazenamento.

Conformidade com o OAIS

Para um sistema ser considerado conforme ao OAIS, ele deve:

  • Utilizar a terminologia padronizada.

  • Mapear suas práticas ao Modelo de Informação OAIS (seções 2.3 e 4.3).

  • Cumprir as Responsabilidades Obrigatórias definidas na seção 3.2.

Não há prescrição sobre tecnologias, plataformas ou metodologias específicas — o modelo é conceitual, permitindo ampla flexibilidade para diferentes implementações.


Este texto sintetiza os elementos principais da versão de 2024 do Modelo de Referência OAIS (CCSDS 650.0-M-3). Sua leitura é fundamental para profissionais e pesquisadores interessados em preservação digital arquivística, pois oferece uma base comum para o planejamento, avaliação e implementação de sistemas confiáveis de memória institucional, científica, administrativa e cultural.

Para aprofundar, recomenda-se a leitura completa do documento, que está disponível publicamente no site do CCSDS.


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