O que é, de fato, o Acervo Acadêmico Digital (AAD)? Um ensaio e uma análise crítica dos pesquisadores do Grupo CNPq UFAL PDS & Ged/A para as IFES

O que é, de fato, o Acervo Acadêmico Digital (AAD)? Um ensaio e uma análise crítica dos pesquisadores do Grupo CNPq UFAL PDS & Ged/A para as IFES

Por que discutir o Acervo Acadêmico Digital?

Nos últimos anos, universidades e arquivistas têm debatido intensamente a implantação do Acervo Acadêmico Digital (AAD), regulamentado pelo Ministério da Educação (MEC) por meio das Portarias nº 315/2018, nº 1.224/2019 e nº 554/2019. Mas afinal, o que é, de fato, o AAD?

Realizamos diversos debates aqui no Grupo CNPq UFAL PDS - Preservação Digital Sistêmica & Ged/A - Gestão Eletrônica de Documentos Arquivísticos, tanto nas oficinas como nos seminários de pesquisa e nos treinamentos que os pesquisadores do Grupo ministram, especialmente sobre as temáticas de Cadeia de Custódia Digital Arquivística e Identificação Arquivística de Documentos Digitais. 

Será que ele se resume ao dossiê do discente, do aluno, que, segundo o Código de Classificação de Documentos relativos às atividades-fim das Instituições Federais de Ensino Superior - IFES, destacamos o código 120 – Cursos de graduação, 121 – Concepção, organização e funcionamento dos cursos de graduação, e 122 – Dossiê do Candidato (Aluno), que abrangem a maior parte da documentação relacionada aos estudantes, ou mesmo alguma ampliação funcional ou tipológica? Ou seja, reduzindo ao conjunto de documentos pessoais que comprovam a trajetória do aluno? Ou será que esse entendimento é restritivo e equivocado, simplificando indevidamente o que deveria ser a preservação da memória e das funções acadêmicas da universidade relacionando também, funcionalmente às classes ?

Este texto, resultado das nossas discussões, propõe subsídios para um debate mais amplo e uma análise crítica sobre o tema, dialogando com normas arquivísticas nacionais e internacionais, refletindo sobre a prática nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e debatendo uma visão mais ampla e consistente do que deve compor o Acervo Acadêmico Digital.


AAD: Mais do que dossiês de alunos, um repositório das funções acadêmicas

O AAD, segundo a regulamentação do MEC, refere-se à guarda e preservação digital dos documentos acadêmicos. Contudo, o MEC não define claramente quais documentos compõem esse acervo, o que abre espaço para diferentes interpretações.

Algumas IFES e profissionais da área vêm reduzindo o AAD ao mero dossiê do discente: históricos, diplomas, atas de colegiado relacionadas à vida escolar do aluno, etc.
Mas será essa a única leitura possível?

Por que essa visão é problemática?

  1. Reduz a complexidade das atividades universitárias a apenas uma função: o ensino da graduação e dissocia o tripé das universidades.

  2. Ignora as funções de Pesquisa e Extensão, partes indissociáveis da função acadêmica, conforme o Art. 207 da Constituição Federal.

  3. Contraria os princípios da classificação funcional arquivística, consolidada pela norma internacional ISDF (International Standard for Describing Functions, 2007) e pelos referenciais da identificação arquivística propostos pelos arquivistas madrilenhos, os referenciais dos portugueses sobre identificação arquivística em sistemas de informação e o formulário de identificação arquivística em SIDs do Grupo CNPq UFAL PDS & Ged/A.


CCD ou PCD? A confusão terminológica, que impacta também nas IFES

O Código de Classificação de Documentos (CCD) adotado pelas IFES é, na prática, um Plano de Classificação de Documentos (PCD).
Embora o nome seja "Código", ele organiza as informações em:

  • Funções (classes).

  • Subfunções (subclasses), etc.

  • E as Atividades em tipos documentais (embora detectemos algumas incoerências no instrumento).

Portanto, o CCD/PCD das IFES contempla as três grandes áreas da função acadêmica - o tripé:

  • Ensino

  • Pesquisa

  • Extensão

Reduzir o AAD ao dossiê do discente (com as ampliações que cada IFES possa fazer, tipologicamente falando, ou mesmo funcionalmente) significa, na prática, desconsiderar a documentação gerada pela Extensão e pela Pesquisa - de forma orgânica, contextual, arquivísticamente, o que não se sustenta nem juridicamente, nem arquivisticamente.


A abordagem funcional arquivística: por que importa?

Segundo a ISDF (2007), função é o conjunto de atividades realizadas por uma instituição para cumprir seus objetivos. No caso das universidades, as funções acadêmicas não se limitam a formar alunos, mas também:

  • Produzir conhecimento científico (Pesquisa)

  • Estender esse conhecimento à sociedade (Extensão), videm o caso também, e recente, da curricularização da extensão

  • Promover o ensino em todos os seus níveis, inclusive lato sensu, stricto sensu e cursos de extensão (Ensino)

A Identificação Arquivística proposta pelos arquivistas madrilenhos (2007 e etc.) reforça essa abordagem, defendendo que os documentos devem ser classificados e preservados a partir das funções institucionais, e não apenas a partir de processos administrativos ou dossiês individuais. Esta questão ampliamos muito em outros ensaios aqui do Grupo CNPq.


Acervo Acadêmico Digital: uma definição mais adequada

Com base nesses referenciais, podemos afirmar que o Acervo Acadêmico Digital (AAD) deve contemplar:

  • Os documentos de ensino, sim, incluindo os dossiês de discentes, mas também as atas de colegiados, currículos, planos de curso, etc e as outras funções finalísticas das IFES relacionadas ao tripé indissociável das IFES.

  • Os documentos da pesquisa, como projetos, pareceres de comitês de ética, relatórios de pesquisa, registros de propriedade intelectual, entre outros.

  • Os documentos da extensão, como registros de atividades extensionistas, relatórios, certificações e material de divulgação institucional.

Em outras palavras: o AAD é o conjunto de todos os documentos gerados pelas funções acadêmicas das IFES - finalísticas. Reduzi-lo a um único tipo documental composto ou classe/subclasse é um equívoco técnico e ético e que vai impactar tanto nas políticas emanadas pelo MEC para os AADs, notadamente os RDC-Arq para AAD por exemplo, mas, na preservação, acesso, segurança e cadeia de custódia digital.


Referências normativas e legais

  • ISDF – International Standard for Describing Functions (2007)

  • ISAD(G) – Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística (2000)

  • Grupo de Madrid (2007) – Orientaciones para la identificación de funciones

  • CONARQ/MEC – Código de Classificação de Documentos das IFES (CCD/PCD)

  • Art. 207 da Constituição Federal de 1988

  • Lei nº 8.159/1991 – Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados

  • Resolução CONARQ nº 40/2014 – Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq)

  • Portarias MEC nº 315/2018, nº 1.224/2019 e nº 554/2019

Autores recomendados:

  • Daniel Flores (UFAL) – Cadeia de custódia e preservação digital

  • Tânia Gava (UFES) – Classificação funcional e preservação digital

  • Henrique Machado dos Santos – Gestão documental e função administrativa

  • José Maria Jardim – Gestão da informação e ética arquivística

  • Inúmeros outros autores que nós também consideramos e discutimos, mas, pelo formato desta postagem, não foi possível citar todos


Conclusão: AAD é função, não é apenas processo

Conforme argumentado, o Acervo Acadêmico Digital (AAD) deve ser entendido como o repositório integral das funções acadêmicas da universidade - finalísticas (CCD FIM das IFES). Ele não se restringe ao ciclo de vida do discente de forma exclusiva, mas sim, todas as relações orgânicas e contextuais que este ciclo de vida impacta e gera e acumula registros documentais, pois a universidade é mais do que formar alunos: ela pesquisa, ela promove extensão, ela interage com a sociedade.

Negar isso é negar a própria função da universidade pública brasileira.

Assim, a defesa de um AAD que abranja todas as funções finalísticas não é apenas uma visão técnica, mas um compromisso com a memória institucional, a transparência pública e a ética da gestão documental.

Seguiremos no debate e investigando.

Prof. Daniel Flores/PPGCI/UFAL.



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